quarta-feira, 1 de junho de 2016

QUARTO DE DESPEJO - Diário de uma favelada


"É o início do mês. É o ano que deslisa. E a gente vendo os amigos morrerem e outros nascerem. (...) É treis e meia da manhã. Não posso dormir. Chegou o tal Vitor, o homem mais feio da favela. O representante do bicho papão. Tão feio, e tem duas mulheres. Ambas vivem juntas no mesmo barraco. Quando ele veio residir na favela veio demonstrando valentia. Dizia:

- Eu fui vacinado com o sangue do Lampeão!

Dia 1 de janeiro de 1958 êle disse-me que ia quebrar-me a cara. Mas eu lhe ensinei que a é a e b é b.Êle é de ferro e eu sou de aço. Não tenho força física, mas as minhas palavras ferem mais do que espada. E as feridas são incicatrisaveis. Êle deixou de aborrecer-me porque eu chamei a rádio patrulha para êle, e êle ficou 4 horas detido. Quando ele saiu andou dizendo que ia matar-me. Então o Adalberto disse-lhe:

- É o pior negócio que você vai fazer. Porque se você não matá-la ela é quem te mata.

Eu tenho uma habilidade que não vou relatar aqui, porque isto há-de defender-me. Quem vive na favela deve procurar isolar-se, viver só. O Vítor está tocando
rádio. Penso: Hoje é domingo e nós podíamos dormir até as 8. Mas aqui não há consideração mútua.

Eu nada tenho que dizer da minha saudosa mãe. Ela era muito boa. Queria que eu estudasse para professora. Foi as contigencias da vida que lhe impossibilitou concretizar o seu sonho. Mas ela formou o meu carater, ensinando-me a gostar dos humildes e dos fracos. É porisso que eu tenho dó dos favelados. Se bem que aqui tem pessoas dignas de desprêso pessoas de espírito perverso. Esta noite a Dona Amélia e o seu companheiro brigaram. Ela disse-lhe que ele está com ela por causa do dinheiro que ela lhe dá. Só se ouvia a voz de  Dona Amélia que demonstrava prazer na polemica. Ela teve vários filhos. Distribuiu todos. Tem dois filhos moços que ela não os quer em casa. Pretere os filhos e prefere os homens.

O homem entra pela porta. O filho é raiz do coração.

É quatro horas. Eu já fiz o almoço - hoje foi almoço. Tinha arroz, feijão e repolho e linguiça. Quando eu faço quatro pratos penso que sou alguém. Quando vejo os meus filhos comendo arroz e feijão, o alimento que não está ao alcance do favelado, fico sorrindo atôa. Como se estivesse assistindo um espetaculo deslumbrante. Lavei as roupas e o barracão. Agora vou ler e escrever. Vejo os jovens jogando bola. E eles correm pelo campo demonstrando energia. Penso: se eles tomassem leite puro e comessem carne ..."

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