quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Reler o PADRE ANTÓNIO VIEIRA (4)


CARTA DE ROMA (1650)









Ao Príncipe D. Teodósio - Filho primogénito de D. João IV e de D. Luísa de Gusmão


Senhor


Meu princípe e meu senhor da minha alma. Pelos avisos que vão a Sua Majestade entenderá Vossa Alteza com que coração escrevo esta, e muito mais com que raiva, e com que impaciência, vendo-me preso e atado para não poder em tal ocasião ir-me deitar aos pés de Vossa Alteza, e achar-me a seu lado em todo o perigo. Mas eu romperei as cadeias quanto mais depressa me for possível, e partirei voando, senão a fazer companhia nos trabalhos do princípio ao menos a ter parte nas glórias e alegria do fim; que estes são os passos por onde se hão-se encaminhar os sucessos e felicidades deste fatal ano, ou seja a guerra só enterra, ou só no mar, ou juntamente em ambas as partes; porque o meu roteiro não especifica o género, nem as particularidades dela, empregado todo em referir, admirar e celebrar as vitórias.


Ah senhor! Que falta pode ser que faça a Vossa Alteza nesta ocasião este fidelíssimo criado, e quão poucos considero a Vossa Alteza com a resolução e valor e experiência que é necessária para saberem aconselhar a Vossa Alteza o que mais lhe convém em apertados casos! Mas já que na presença não posso, aconselhe a Vossa Alteza a minha alma, por toda mando a Vossa Alteza neste papel, e com toda ela lhe digo que, tanto que chegar esta nova, Vossa Alteza logo sem esperar outro preceito se ponha de curto, o mais bizarro que puder ser, e se saia a cavalo por Lisboa, sem mais aparato nem companhia, que a que voluntariamente seguir a Vossa Alteza, mostrando-se no semblante muito alegre e muito desassustado, e chegando a ver e reconhecer com os olhos todas as partes em que se trabalhar; informando-se dos desígnios, e mandando e ordenando o que melhor a Vossa Alteza parecer, que sempre será o mais acertado; mandando repartir algum dinheiro entre os soldados e trabalhadores; e se Vossa Alteza por sua mão o fizesse, levando para isso quantidade de dobrões, este seria o meu voto; e que Vossa Alteza se humane conhecendo os homens e chamando-os por seu nome, e falando não só aos grandes e medianos, senão ainda mais aos mais ordinários; porque desta maneira se conquistam e se conformam os corações dos vassalos, os quais, se Vossa Alteza os tiver da sua parte, nenhum poder de fora será bastante a entrar em Portugal; sendo pelo contrário muito fácil ainda qualquer outra maior emprêsa a quem tivesse o domínio dos corações. Sua Majestade tem nesta parte uma vantagem muito conhecida, que é estar de posse, e poder dar, quando Castela só pode prometer. Com há poucos Antónios Vieiras, há também poucos que amem só por amar, e Sua Majestade não deve esperar finezas, senão contentar-se muito de que se queiram vender aqueles que lhes for necessário comprar. A pólvora, as balas, os canhões são comprados, e bem se vê o ímpeto com que servem e estrago que fazem nos inimigos; e mais natural é em muitos homens o interesse que nestes instrumentos a mesma natureza (...)."


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