quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

MACAU: Em Nova Iorque - sem macaenses



by Ponto Final


Há oito anos que o Macao Trading Co., sem nenhum sócio, investidor ou funcionário de Macau, atrai dezenas de nova-iorquinos todas as noites. Até Beyonce e Jay-Z já visitaram o restaurante.
Alexandre Soares, em Nova Iorque

"O que fazem cinco americanos, um bósnio e um sérvio quando entram num bar? Quando o bar está vazio, disponível para ser alugado, e o encontro acontece numa tarde no início de 2008, no bairro de Tribeca, em Nova Iorque, o grupo de amigos decide abrir um restaurante inspirado em Macau.
Billy Gilroy, uma lenda dos restaurantes da cidade, foi o responsável pelo improvável encontro. Depois de décadas a ouvir um amigo vender-lhe a ideia de um restaurante inspirado em Macau – uma descrição em traços largos de prazer e tradição, antiguidade e modernidade, Ásia e Europa –, o norte-americano encontrara, por fim, o local perfeito para fazer acontecer essa fantasia.
“Tenho um amigo com uma paixão enorme pela Ásia, que já viveu em Hong Kong e em Xangai. Ele falava-me sempre de Macau, dizia que investiria num espaço assim. Eu gostava da ideia, mas sabia que só teria sucesso quando encontrasse o espaço certo”, lembra Gilroy. “Pensei nisso durante anos e, quando o espaço certo apareceu, reconheci-o de imediato.”
O espaço ficava em Tribeca, na zona baixa de Nova Iorque, uma região abandonada durante décadas e que conhecera uma nova vida depois do 11 de Setembro. Com tectos altos, um amplo primeiro andar e uma cave, o local era perfeito para acolher o restaurante que Gilroy imaginara.

Depois de receber o sim dos amigos, o empresário organizou de imediato uma viagem a Macau com os sete sócios e mais alguns investidores. Quatro dos sócios – Henry LaFargue, Jason Kosmas, Dushan Zaric e Igor Hadzismajlovic – já eram seus parceiros no Employees Only, o bem sucedido bar de cocktails que tinham aberto em 2004, e a eles juntaram-se os amigos Akiva Elstein e Patrick Fahey.
“Nessa altura já tinha feito muita pesquisa, já conhecia a história da península, dos 500 anos de presença portuguesa, mas a viagem era fundamental como inspiração”, explica Gilroy. “Não podíamos fazer um restaurante inspirado em Macau sem nunca lá termos ido.”
Passados quase dois dias fechados em aviões, a primeira impressão devolveu-os a uma cidade ligada ao mar e ao seu porto. “As cidades portuárias têm sempre uma história muito rica e específica. Nunca são apenas uma coisa, têm uma identidade complexa e era isso que queria transportar”, explica Gilroy. “Nunca fiz uma casa de bifes ou um bar de desporto. Não faço algo que seja marcadamente só uma coisa, porque é muito aborrecido.” O grupo decidiu logo que o nome do restaurante usaria Trading, a palavra inglesa para comércio, para sublinhar esse lado da cidade.
Nos dias seguintes, foram a restaurantes chineses, portugueses e macaenses. Aos espaços mais celebrados nos guias turísticos, e aos espaços familiares que alguém na rua lhes indicava. Conversaram com chefs, visitaram monumentos e museus, compraram livros, recolheram catálogos, tiraram fotografias e apanharam o ferry até Hong Kong. “Não posso dizer tudo o que aconteceu na viagem”, diz Gilroy, rindo-se. “Mas posso garantir que nos divertimos muito.”

Foram a casinos e a casas de jogo informais, visitaram locais onde havia prostituição. “Fomos ao ‘red-light district’. Queríamos aquela sensação de submundo, fora da lei. Quando faço um espaço, gosto que as pessoas deixem o mundo real para trás e sintam que entraram no cenário de um filme, num mundo diferente.” Foi isso que Gilroy fez no Employees Only, no West Village, que tenta recriar um bar norte-americano durante os anos da proibição, desde a música, ao menu de bebidas e à roupa dos funcionários. Como escreveu a Vogue norte-americana em 2012, o empresário “sabe como criar um restaurante com um ambiente que nos transporta.”
chef David Waltuck, do sofisticado restaurante francês Chanterelle, também participou na viagem. Convidado pelos sócios, Waltuck teve oportunidade de explorar a sua paixão por comida asiática e criar para o restaurante Macao um menu com inspiração cantonesa e portuguesa. No menu, encontram-se, por exemplo, bolinhos de bacalhau com aipo chinês, uma interpretação da carne de porco à alentejana que usa chouriço e mexilhões com bok choy, ou um polvo grelhado com vegetais asiáticos.
“A comida é inspirada por esta mistura de culturas, chinesa, portuguesa, indiana, africana, asiática. Queríamos incorporar estas técnicas e sabores de maneira a oferecer uma experiência semelhante ao que lá se encontra”, explica Gilroy. O menu de bebidas também mostra as mesmas influências, em cocktails como o “Drunken Dragon’s Milk”, que combina vodka aromatizada de chá verde, xarope de folhas de pandan e puré de coco.
No final da viagem, Gilroy tinha o espaço desenhado: por fora, pareceria um armazém de um porto; nenhum sinal indicaria o restaurante, apenas uma lanterna vermelha. A fachada seria, no entanto, apenas uma distracção para o que se passaria no interior: um espaço inspirado num bordel e antro de ópio. “Achei que isto era uma ideia muito sedutora de Macau, onde até hoje o jogo e prostituição são legais, mas que historicamente acontecia de uma forma muito discreta, à porta fechada.”
Gilroy  percorreu depois o mundo à procura de objectos para o restaurante, que a revista Time Out descreveu como “um dos cenários mais deslumbrantes de Manhattan”. Logo à entrada, os clientes descobrem um bar decorado com uns grandes pilares de ferro, que pesam cerca de 700 quilos cada, e uma sala com capacidade para 82 pessoas, com uma varanda a toda à volta, cheia de objectos que recordam a vida num porto. Descendo umas escadas para a cave, encontram o espaço mais decadente. “Aqui, basicamente, é tudo sobre sexo”, explica Gilroy, apontando para cartazes de óperas chinesas com motivos sexuais, onde as esposas ensinam as concubinas a satisfazer os seus maridos. “Mas como é tudo muito antigo, acaba por ter classe.”
Nas prateleiras, acumulam-se conjuntos para fumar ópio, budas e esculturas tibetanas de fertilidade. Gilroy está consciente de que os últimos “parecem grandes vibradores pretos.” Numa das paredes, também existe um azulejo português, mostrando uma caravela a navegar, encontrada numa quinta na Argentina. “Tudo é antigo, autêntico, e ajuda-me a contar uma história”, diz Gilroy. “A fase em que crio tudo isto é o que sempre me apaixonou neste negócio. É por isso que continuo sempre a abrir novos negócios.”
Nascido e criado no bairro de Queens, Billy Gilroy começou a trabalhar no restaurante dos avós, como ajudante de bar e cozinha, ainda em adolescente. Nova Iorque era uma cidade diferente nos anos 70 e um dia, depois de acordar na cela de uma esquadra, decidiu afastar-se de tudo e partir para uma comunidade alternativa na zona alta do estado, para aprender yoga e meditação.
Esses esforços acabaram por falhar e, depois de uma passagem por França, Gilroy regressa à cidade e torna-se bartender. Chega a dividir os dias no La Gamelle, no Soho, com Joaquim de Almeida, quando o actor português ainda era apenas um estudante na escola de actores The Lee Strasberg Theatre & Film Institute. “Era um sucesso enorme com as mulheres”, recorda. “Adoravam-no.”
Acaba a abrir os seus restaurantes e bares e torna-se uma figura incontornável da cena nova-iorquina. Colecciona clientes e amigos famosos, como o designer Giorgio Armani e a modelo Cindy Crawford, e entre os investidores dos seus restaurantes estão modelos, artistas, produtores de televisão e cinema. Quando decide preparar o Macao, já abrira cinco restaurantes e casara-se cinco vezes. Começa a circular a piada de que tem uma mulher nova para cada novo restaurante.

No final de 2008, em plena eclosão da economia mundial, o Macao abre portas envolto em expectativa. A festa de abertura do Festival de Cinema de Tribeca, por exemplo, acontece logo no local. “Quando abro um espaço, trago muito comigo. As primeiras semanas, os primeiros meses, estão garantidos. Vão estar cheios. Tenho muitos investidores e amigos. As pessoas querem saber o que estou a fazer”, diz. “A grande prova acontece depois desse momento inicial.”
As primeiras críticas foram positivas, mas nem todas. O crítico de restaurantes do The New York Times na altura, Frank Bruni, escreveu num texto intitulado “erótica com almôndegas”, referindo que o menu “não é, na verdade, uma cozinha híbrida” e classificando o espaço como “muito tonto”. Gilroy diz que nem sabe como Bruni escreveu a crítica, porque passou o tempo na marmelada com o namorado.
Oito anos depois, uma lanterna vermelha continua a anunciar o espaço, mas está agora acompanhada por um sinal com o nome do restaurante. O menu também foi alterado, para melhor conciliar as cozinhas de inspiração chinesa e portuguesa. Mas pouco mais mudou. Os nova-iorquinos, como nas primeiras semanas, continuaram a vir. Celebridades, como Beyonce, Jay-Z, Ed Burns e Gwyneth Paltrow também. E Gilroy, apesar de ter aberto outros três restaurantes, ainda continua na esposa número cinco. “Este veio para ficar”, diz. “O restaurante e o casamento.”

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