terça-feira, 29 de abril de 2014

Do lido, o sublinhado (56)-Macau (Wenceslau de Moraes)










A minha casa em Macau (Carta a minha irmã)

Uma complicada instalação, a minha instalação em Macau. Como andei preocupado durante dias e dias, procurando casa, escolhendo mobília, descendo às minuciosidades, às caçarolas da cozinha, aos baldes de condução de água, à minha simples caixa de fósforos para acender o meu candeeiro, não o imaginas tu, aí no teu cantinho de Lisboa.

(...) Compreendes, pois, o penoso trabalho a que me dei ao pôr o pé na China, acompanhado de duas malas com roupa e dum caixote com livros, vendo-me por primeira vez nos complicados apuros de precisar dum abrigo em terra. 

Coragem! mãos à obra!

A primeira preocupação era naturalmente a escolha da casa. Encontrei-a, comum, banal, como todas as casas de aluguer de todos os países; numa rua qualquer, ou antes num beco, com vizinhos à direita e à esquerda, e na frente também; não faltando olhares acessos em bisbilhotice, a entrarem sem cerimónia para dentro das minhas cinco janelas. Por fora é pobremente pintada a ocre amarelo, destacando as gelosias verde-salsa; por dentro uma demão de cal, duma alvura imaculada, cobre uniformemente as paredes dos aposentos, dando-lhes assim uns ares de mesquita árabe, que não deixam de seduzir-me.

Os meus vizinhos fronteiros são chinas, graças a Deus. Sem o mínimo ponto de contacto com o meu modo de ser, interessados dissemelhantemente na vida, pelos usos, pelos hábitos, pela língua, pelos afectos, pelas crendices, pouco os deve preocupar o que faz no seu albergue o vizinho europeu, o fan-quai, o diabo estrangeiro. E para mim - confesso-o aqui entre nós - proporciona-me o ensejo, esta boa gente chinesa, de em horas de fastio distrair-me em devassar-lhe a intima existência; condenável egoísmo o meu, em que me pese dizê-lo ...


























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