quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Recortes do dito e do feito ( 13 ) - O da ajuda

"Já vinha a sair da capela, quando, solicito, da porta ao lado, um dos que me vira entrar minutos antes, com ar forasteiro, me olhou fixamente e meteu conversa:

- Gostou da igreja?...

- Gostei ... - respondi, seco, surpreendido, enquanto ainda digeria a talha barroca daquele interior de recolhimento católico. - É bonita! - acrescentei, compondo o troco e dispondo-me à conversa, que, pelos modos, prometia.

- Tomo conta desta capela, com a minha mãe, há quarenta e cinco anos. Não quer entrar aqui?...

- Com certeza!... - dispus-me, risonho, vagaroso, a ver tudo de novo, agora com cicerone ...

No aconchego vacilante das meias luzes dos pavios espetados na cera que alumiavam o interior da capela, duas velhas rezavam e dividiam olhares entre Cristo crucificado e quem chegava. Surgimos do lado lateral do altar-mor, como padre e sacristão em hora de missa.

- Aqueles azulejos que estão junto às imagens - apontava o anfitrião - foram tirados da zona donde viemos.Esta é a capela da Ajuda, que, fundamentalmente, faz de casa mortuário da cidade. Recebeu muitos benefícios para o efeito, mas nem toda a gente vê com bons olhos as obras realizadas... Sou sapateiro e também faço coleiras para cães ... Tenho uma pequena indústria cá em Penafiel e ... cuido da capela - explicou-se. - Um dia, esteve aqui um jornalista e eu relatei-lhe como é que isto estava antes dos melhoramentos. Houve quem não gostasse e fui mal tratado no "Notícias" da terra por um doutor que não gostou do que eu disse ... Respondi-lhe ponto por ponto ... Hoje somos amigos... Se o senhor tiver tempo, mostro-lhe os recortes dos jornais.

- Dizem-se missas nesta capela? ... - atalhei, arrefecendo desabafos.

- Olhe, são quase seis e meia da tarde e vai haver uma reza ... Tenho que ir tocar o sino ... Se puder, volte para ver os recortes ...

Não voltei. Soube, pouco depois, à mesa de um café local, que o sapateiro em questão é homem de muitas falas, que ata e desata acerca de tudo ... O que ninguém me disse, como de costume, é que, ali, como noutras terras do país, há património municipal (para não subir mais no escalão...) que "vive" da boa vontade dos mestres de sete oficios que temos e que insistem em tocar o sino a horas certas..."

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