quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Gazeta a preto e branco: África do Sul ( XXIV )




















"O homem do boxe

Falta-nos agora nesta gazeta a preto e branco a história pessoal de um emigrante, ainda que contada em linhas gerais. Esta viagem, porém, está a chegar aos seus "finalmentes" e é altura de não perguntar, mas ouvir apenas. Não vamos escolher nenhum madeirense em especial dos muitos que nos foram indicados; ou antes, "seleccionámos" o último com quem nos foi proporcionado um encontro e procuremos deixá-lo discorrer, praticamente sem interrupções. Admitimos que não "confesse" tudo, mas temos a esperança de que o que nos disser, mais o que já se referiu nestas croniquetas diárias de "marinheiro de água doce", possa funcionar como elemento de reflexão e estudo a juntar a outros elaborados a partir de dados recolhidos fora do conforto do ar condicionado dos fofos gabinetes oficiais, ou não.

"Sou natural da Ponta do Pargo", na Madeira, e vim para a África do Sul com 14 anos. Tenho 49. Ao longo destes 35 anos passei um pouco por tudo. Vou contar: o meu pai saiu da ilha em Janeiro de 1936 e eu vim ter com ele em Março de 1950. Comecei então a trabalhar das 6 da manhã às 10 da noite, para ganhar 8 libras por mês. Estive dois anos empregado no café de um português da Madeira, findos os quais entrei no negócio. Depois ajeitei uma sociedade (peixaria) com um tio meu, com quem trabalhei durante cinco anos. A seguir, formei a minha própria firma - até hoje. Tenho um supermercado, um talho, uma padaria, uma loja de bebidas e uma venda de tabaco por grosso. Salvo o caso do talho, em trabalho em nome individual, nos outros negócios, tenho sócios - todos madeirenses. Além disso, sou, há dois anos, promotor de combates de boxe e, nesta actividade, penso ser o único português na África do Sul.

Aqui constituí família (casei-me com uma madeirense dez anos depois de cá ter chegado) e, neste momento, vivo sem dificuldades económicas e sou pai de quatro filhos, um dos quais casado. O moço tem 11 anos e, tal como os outros, embora nascido neste país, sabe português. Lá em casa procuramos falar apenas a nossa língua.

A inauguração da padaria

O acontecimento. O convite. Os convidados. Mais um negócio - como se diz por cá - que uma sociedade de madeirenses inaugura na África do Sul. É uma padaria. Poderia ter sido um talho. A sociedade, aliás, tem dois padeiros e um talhante. O "cortar da fita", entrementes, teve gente importante da comunidade, que isto de "estar perto da ..." não se deve perder. Compareceu na cerimónia, o cônsul-geral e o vice-cônsul da Província do Cabo. E, entre brindes singelos e por grupos, ficou inaugurada a padaria que colaborará no abastecimento de pão fresco a Bellville, a 24 km de Cape Town.

Já em New Bedford, nos EUA, os portugueses são padeiros. Vocação? Qual a raiz histórica desta proliferação das nacionais padarias? Parece que já em Aljubarrota tínhamos quem fosse notável nesta actividade ...

Todavia, o que se deve assinalar é que, uma vez mais, uns quantos de nós vão começar a trabalhar desde as 
duas/três da madrugada até às dezanove horas. E isto merece, de facto, no mínimo, o consulado em peso, as senhoras finas da comunidade e, se fosse em Portugal, em homenagem ao trabalho e à iniciativa privada, devia contar com uns ministrozinhos em paletó. Por muito menos, de resto, já os vimos na Lisnave."

Sem comentários :

Enviar um comentário

Seguidores