quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Gazeta a preto e branco: África do Sul ( XVI )

















"13 de Dezembro de 1984

Alvorada: cinco da manhã!

Instalados - bem! - a uns sete quilómetros do centro de Durban, fomos despertados para a claridade intensa deste dia de vésperas de Estio, pelo chilrear de uma passaral orquestra que acha que de manhã é que se começa a vida e que, portanto, a partir das cinco horas, já ninguém deve dormir. Espera-nos uma jornada de calor a que, por certo, apenas irá pôr algum cobro a acariciadora brisa marítima da costa que banha a cidade e os turistas em trajos menores que, de longe, a demandam. E, já agora, vale esclarecer que há costa para todos: negros, mestiços, brancos e outras cores que apareçam. Mas nada de misturas que, se a água lava tudo, no dizer de quem manda, "é assim maior o à vontade racial." Respeitemo-lo como hóspedes que somos. Aliás, não temos outro remédio, que a nossa missão não é molhar pés em águas mornas do oceano, mas a de desencantar madeirenses onde quer que eles se encontrem. E, desde logo, se os portugueses também são de carne e osso e gostam de férias, a verdade é que é o trabalho que, quase sem descanso, os mobiliza - aqui como em qualquer parte do mundo, excepto no seu próprio país. E, pelo nosso lado, para não destoarmos, às sete da manhã, já estávamos a visitar uma obra de construção civil (moradias) a dois passos de Durban e de que é responsável o nosso prestável anfitrião madeirense nesta cidade. Apetece o comentário: que capacidade, que energia, que vontade de acertar oferecem os portugueses fora da sua terra!... Entrada na C.E.E.? Talvez, mas pensando na hipótese de uma grande transfusão que fizesse entrar os que, na estranja, trabalham no duro, contra a saída de Portugal, dos que, intramuros, pensam que a riqueza há-de cair do céu ... numa manhã de nevoeiro. É legítimo supor que, a estes últimos, o treino lhes fizesse bem ... Finalmente, ao cabo de alguns anos, com as selecções A e B assim conseguidas, devidamente rodadas, é natural que retomássemos os caminhos que nos garantiram a admiração estrangeira no passado das Descobertas. Estaríamos, alfim, na Europa e a Europa não teria razões para não estar connosco.

"O mê denheirinho ..."

Decorridas as primeiras horas úteis da manhã, saímos de Durban com destino a uma instalação de engarrafamento de leite, a uns trinta quilómetros da cidade, onde outro madeirense ganha "o sê rique denheirinho ..." Sem luxos, sem alardes, mas, pelos modos, com eficácia e recurso a dois computadores.

De referir, entrementes, a belíssima paisagem do percurso, a partir de Durban. As boas estradas são, de facto, uma constante, a verdura uma imposição da natureza e o casario um regalo para os olhos.

Está muito calor e, no percurso, não raro, damo-nos conta de que há negros estiraçados na relva fresca. "Assim é que eles se sentem bem", comentam a meu lado. E contam-nos aquela anedota que diz que, estando um negro, tranquilo, a pescar para comer, lhe foram, sucessivamente chamando a atenção para as possibilidades de ter mais canas, depois - quem sabe? - um barco, até chegar a patrão, e não precisar mesmo de trabalhar ... Ao que o negro terá respondido com simplicidade: "mas isso é o que já me acontece agora ..."

Abandonemos, porém, esta espécie de nacional "cantiga de escárnio de mal dizer", para chamarmos a atenção para a entrevista que publicamos noutro local deste caderno com o arq. Luís Ferreira da Silva, Prémio do Instituto dos Arquitectos da República da África do Sul (a esta distância, não me lembro onde a tenho. Peço desculpa aos visitantes da rua) pelo seu projecto da sede social para a Associação Portuguesa do Natal, e um dos homens presentes no encontro realizado no Porto, em 1983, subordinado ao tema "Os Portugueses no Mundo - uma cultura a preservar", que congregou intelectuais portugueses de todos os continentes (ver neste blogue a referência ao Encontro). Lugar de relevo, pois, a quem, sendo igual, é diferente.

As nossas homenagens à diferença!

E agora, até à volta, Durban! Esperamos que não te esqueças que em 1985 passa o centenário da morte de Fernando Pessoa, que bem conheces."

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