domingo, 2 de dezembro de 2012

Gazeta a preto e branco: África do Sul ( VI )
















"4 de Dezembro de 1984
De manga de alpaca a tipógrafo

Hoje, de manhã, falaram-nos em duas comunidades portuguesas na África do Sul: a dos bezerros de ouro e a dos outros, e pediram-nos que não deixássemos de tentar mergulhar nos problemas da menos ouvida, na dos anónimos que trabalham arduamente, sem que ninguém lhes preste atenção. Matemos a questão à nascença: esta peregrinação pela comunidade anotará o que puder, estejam tranquilos, mas não dividirá:  todos são importantes. Já ontem, aliás, se registaram opiniões soltas e de gente sem rótulo, que merece, naturalmente, o maior respeito. Continuaremos, não esquecendo que este caderno se realiza na sequência de um Congresso, que foi dos madeirenses, portugueses como os demais, mas oriundos de uma ilha onde, por isso mesmo, a mentalidade é outra e, eventualmente, determinante na forma de sentir e estar, mesmo na África do Sul, longe da sua terra natal. De resto, neste país, a sua gente é a que, entre portugueses, está fixada há mais anos.

E, após este parênteses, mais uma vez, a breve história de um homem comum (a quem não perguntámos, neste caso, o local de nascimento):

- Sou proprietário de uma tipografia há uns cinco anos, mas nunca tinha sido do ofício ...

- ???

- Juntei-me a dois profissionais portugueses que estavam a pensar fazer uns biscates. Sabiam que, por meu intermédio, talvez fosse possível conseguir dinheiro para montar uma tipografia e eu, com base no prestígio do meu pai na sua terra, em Portugal, pedi-o aqui emprestado e, naturalmente, fiquei na sociedade - como vendedor. Mais tarde, acabei por me maçar com os meus sócios, e desfazer a sociedade inicial, sem que, no entanto, já soubesse de tipografia mais do que carregar no botão ... Angariara, sim, uma razoável rede de clientes a quem falara sempre "no melhor equipamento". Agora, porém, nem bom, nem mau possuía, enquanto as encomendas continuavam a chover. Fui, então, resolvendo o problema com máquinas alheias e ... aprendendo o ofício a valer. Até hoje.

Resta dizer que, anteriormente, trabalhara aqui na impressão de plástico que ... também não era a minha profissão: toda a vida havia sido funcionário dos caminhos de ferro de Moçambique ... Portanto, um manga de alpaca, apenas.

Encerrara-se mais um diálogo. Demos, de seguida, um salto de cortesia ao Banco de Lisboa e, às 16 e 38 minutos, dirigimo-nos à estação de caminho de ferro e metemo-nos na carruagem dos brancos, em direcção a Irene, pequena localidade a dois passos de Pretória. Seguindo conselhos avisados, continuávamos, deste modo, a ouvir quem sabe - sem olharmos a distâncias.

O retorno a Joaneburgo fez-se a horas impróprias para qualquer cara pálida - pedestre. Regressámos, por isso, de carro e por amabilidade - não sem recordar os sustos das ruas escuras deste mundo de situações quotidianas pouco claras. No caminho, demos, contudo, uma espreitadela às tais "lojas impecáveis" de que nos falara a madeirense do centro comercial da chamada "cidade branca". Uma maravilha, sem dúvida, a lembrar o que há uns anos vimos em Toronto e há poucos meses encontrámos em Hong-Kong."




Sem comentários :

Enviar um comentário

Seguidores