quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Aqui, em nome da liberdade de pensar e...e lembrar

Subscrito por MA, em Setembro de 1995, num jornal diário 




















TRIGO NO JOIO

"Apesar da forte impressão negativa trazida de uma Rússia visitada em plena ditadura brejneviana; apesar da, entre nós, turbulência comunista-gonçalvista; apesar do, ainda fresco na memória, ruir do Muro, a verdade é que, não é sem alguma emoção que, na Fortaleza de Peniche, se percorrem os corredores de acesso às celas em que Carlos Brito, Álvaro Cunhal, Aboim Inglez, e tantos outros, sonharam um Portugal diferente, democrático, na sua linguagem, em horas, por certo, do maior desconforto - em nome de ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, que, viu-se mais tarde, na prática, vários, de igual ideologia, não conseguiram transformar em riqueza equitativa (cultural, económica, social, política).

Seguro de que o difícil é o equilíbrio, resta dizer baixinho a poesia sangrada no desespero das celas 10 e 13 - 3º andar, pavilhão B:


Nem uma folha verde a sugerir floresta
nem uma só aresta na parede lisa
nem uma breve brisa e nem sequer
uma sombra qualquer humana se divisa

Apenas esta ausência nua e crua
de tudo e de todos num silêncio a rodos
o nó que se não ata nem desata
de solidão abstracta e tão concreta

Mas mesmo neste esquife escuro e escasso
Amortalhado em vestes de cimento e aço
Basta estar vivo, basta!
que a selva sobe
a terra gira
a vida é vasta.

Cada noite levo comigo para o leito
uma pequena brasa de memória acesa:
pode ser que a chama cresça o sonho aqueça
pode ser que apenas em crista se desfaça

Cada manhã desperto quando o sol refeito
da noite acorda a natureza
pode ser que a esperança agora amadureça
pode ser apenas mais um sol que passa."

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