segunda-feira, 16 de julho de 2012

Na recaída, a tese do pratinho ou do chá sem açúcar

Faz parte das Cartas à Minha Neta, mas como me falta a fama de plástico, ou, se o género permitisse, uma mini - saia bem curta, de que algumas editoras precisariam para "me" fazer vender, recuo a Outubro de 1983 para sublinhar que, afinal, pouco terá mudado em relação a alguns momentos politico/económicos do passado, não tão distante como isso ...


Fica a transcrição parcial da crónica publicada na imprensa. Creio que, na província, no Diário de Coimbra, por onde andei mais de dez anos, sem interrupções.

"O PRATINHO
Não sei até que ponto, nestes tempos de encolher-barriga europeu, os súbditos de Sua Majestade Britânica conseguem manter o saudável hábito do chá das cinco que, a meu ver, tentava disfarçar, pela delicadeza, um pequeno almoço de farta brutos. Admito, porém, que, fiéis às tradições como são, tenham conservado o "tea-time", em desfavor de uma primeira refeição, cara e violenta para um coração fatigado pelo crescente frenesim quotidiano, incapaz de contemplações com velhos e arreigados costumes. Ignoro, portanto, a que porta bateu a austeridade inglesa, no caso, mas se foi no "english breakfast" ou no "tea-time" é forte, concordemos. Tanta tradição e ... de repente ...


Partamos, entretanto, do provável mal dos outros para analisar a situação do Zé. Aceitemos a realidade. Toda a gente sabe o que representa para os portugueses a mesa farta e o estômago a abarrotar. Viver de barriga bem cheia, não é uma tradição, mas é quase uma paixão. Pois bem, é chegada a nossa vez da elegância: "Nesta hora conturbada da vida nacional" em que, não obstante os avisos solenes e amigos do Prof. Fernando Pádua, ninguém quer dar ouvidos aos outros, que são políticos e que falam em apertar o cinto, é altura de compreender que, no caso português, se tornou possível matar dois coelhos de uma cajadada só, comendo menos e, consequentemente, tentando gastar ... o mesmo que dantes, o que em período de inflação, não é despiciendo. Quer queiramos, quer não, todavia, os restaurantes, cujos proprietários são geniais especialistas em "marketing", já perceberam, há uns meses, que a solução é vender um quarto de dose pelo preço de meia dose. "Corta-se-lhes na ração...", terá "eurekado" um galego que eu conheço e que é mestre na arte. Com efeito, estava encontrada a saída para a crise: num abrir e fechar de olhos, começou a aparecer nas casas de pasto nacionais não o prato (meia dose), mas o pratinho, e com ele a solução de dois problemas: a reclamada higiene alimentar da população que tem que almoçar ou jantar fora, e o reajustamento orçamental indispensável nos dias que passam. Resta, por isso, agora alargar o âmbito do raciocínio do galego e levar à família a generalizada adopção das medidas de saneamento caseiro a que a austeridade nos conduziu, conjugando os esforços dos cardiologistas e dos políticos, em prol da saúde pública.


É, pois, o momento de nós, que andamos atrasados em relação aos demais países, criarmos o hábito do chá, como delicada alternativa a perigosas e empaturrantes refeições. Tomemo-lo, porém, sem açúcar, que é caro e engorda. Aqui deixo (em forma de sugestão) adoçado com sacarina que, não sendo barata, parece que é receitada pelos médicos."


Com as necessárias adaptações de pormenor, renovo a crónica - de que quis fazer Carta à Minha Neta, mas não me deixam pelas intransponíveis razões apontadas.

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