segunda-feira, 9 de julho de 2012

Intervalo (II) - com Júlio Coutinho, actor *

* Entrevistas na Casa do Artista, em Lisboa

- Júlio Coutinho, actor ... Natural de ...

- De Lisboa.

- Quantos anos de actividade regular?

- 50!

- Figuras da cena portuguesa que mais o marcaram?

- Amélia Rey Colaço, Palmira Bastos, Varela Silva, Amália Rodrigues, Hermínia Silva, Ivone Silva, Henrique Santana, Armando Cortez ... Muita Gente!...

- E o episódio da sua vida profissional que mais recorda?

- Ah!... Como deve calcular, foram muitos...

- Eu imagino ... Mas seleccione, assim de repente, um deles ...

- Eu estava a fazer a imitação da Amália, no programa Cabaretíssimo, do Paulo Guilherme d'Eça Leal e tinhamos vindo de Cascais e fomos para o Teatro Monumental. Estamos em 1975, e, numa "matinée" de domingo, em que se fazia a Amália, quando saí a porta da caixa, a saída dos artistas para ir jantar ao Toni dos Bifes, uma senhora veio ter comigo com um livro aberto e uma caneta e disse-me:

"- Ah! Gostei tanto do trabalho do senhor. O senhor parecia-me mesmo ela em cena. Dá-me o seu autógrafo?

- Dou com certeza, minha senhora!

E quando estou a escrever o autógrafo, a senhora agarrou-me na mão e disse-me:

- Parabéns! Fez tão bem de Ada de Castro!...

Outra, agora no Porto. Eu na altura era actor transformista e fazia um travesti. Foi logo a seguir ao 25 de Abril ... Como sabe, não havia autorização para espectáculos de travesti em Portugal. O Salazar não deixava, o Marcelo também não ... Quando essas pessoas desapareceram, pronto: houve uma uma certa liberdade e fizeram-se trabalhos de travesti. O Porto estava doido para os ir ver.  Tanto que estivemos três meses no Sá da Bandeira. Eram filas e filas. 58 figuras em cena: homens vestidos de mulheres e mulheres vestidas de homens.

Um dia, mal acabei de tomar café na Brasileira, encaminhei-me para o teatro, atravessei a rua, onde havia uma fila enorme para a bilheteira, que dava até à porta dos artistas. Furei, furei, "com licença, com licença, com licença...", até que um homem, que estava ali com a família, disse, com muita graça: "deixem passar este senhor ... que é uma actriz ..." Foi uma risota.

- Com o à vontade que os anos lhe dão, diga-me o nome de um grande da nossa cena - hoje ...

- Olhe, Manuela Maria e Eunice Muñoz. Com gente viva, não é? ...

- Sim, com gente viva ...

- Por exemplo, o FF, a Luciana Abreu. Um grande homem do espectáculo:  Filipe La Féria, que dá trabalho a muita gente, com grande sacrifício, gastando do seu próprio dinheiro. Tem feito espectáculos maravilhosos no Politeama.

- Que figuras da cena portuguesa mais o marcaram?

- Alguns, mas poucos. Uma figura muito grande: Amália Rodrigues. Amália deu-me vestidos para eu trabalhar, abriu as portas da sua casa para me ensinar gestos. Amália não era uma mulher muito aberta para os colegas. Não sei porquê... Era a sua maneira de ser, porque não era vaidosa, nem má ... Ajudava a pobreza.

Sabe, quando se é primeira figura têm-se tantos amigos como inimigos e a Amália, coitada, tinha sofrido um bocado na sua própria carne e estava de pé atrás ... A mim, ela não me considerava colega, considerava que eu era um rapaz que lhe tinha aparecido lá em casa a pedir ajuda ... E foi, afinal, o que sempre fez: abriu as portas e ajudou. Com gestos, com o diapasão, com vestidos, com gravações e até com explicações como é que devia fazer aquelas coisinhas, os tiques... Tudo aquilo em que o segredo era a alma do negócio ... Em todos os negócios há um segredo, como se sabe,   mas até esse ela me ensinou. Para eu ter mais êxito...

- Junto de que fotografia desta sala gostaria de se deixar fotografar?

- Eu tenho admiração por toda a gente, mas ... Talvez ao pé da Amália ...

- Vamos!





Sem comentários :

Enviar um comentário

Seguidores